Aviso

“... estiquei a mão e puxei a malha no banco do carro, saltaram mil papeizinhos picadinhos, tão minuciosamente picadinhos, junto a um envelope todo decorado, que ainda por cima tinha o símbolo daquele triângulo com o terceiro olho, ( sabe qual né..)..não pude deixar de me espantar....Alguém estava querendo me contar algo. Havia o terceiro olho que me olhava expressivamente! Achei aquilo tudo suspeito...e estranho, voando à minha vista. Instintivamente recolhi tudo, coloquei rapidamente no envelope decorado, e enfie tudo no bolso da calça, o bolso de trás da calça, apressadamente. Aí vi você chegando lá longe, disfarcei, tudo super instintivo e imediato.Rápido como sempre é. Muitas vezes isso já tinha me ocorrido: fazer coisas instintivas e rápidas, como se não fosse eu agindo e sim alguma outra pessoa. (alguém estaria querendo me dizer algo?) Achei que sim.Com certeza sim. Vim voando e ansiosa para a perícia.Cheguei, me enterrei apresadamente no quarto, fechei a porta, louca de curiosidade, ainda não parecendo eu.Em perfeito transe... Enchi-me de paciência e comecei a separar os papéis como um grande e pequeno quebra-cabeça. Havia duas cores de papéis, uns mais azulados, os outros beges, mas a penumbra do quarto não ajudava em nada. Confundia. Cheques, se tratavam de cheques...e você deseja idéias de números para loteria: estava com muitos na frente, vários recortes com muitos números. Mas apenas um nome. E num pequenininho pedacinho, muito mínimo, diria uma tripinha, de papel sujo e meio dobradinho, um nome...a letra bem pequena..No papel bege. Mas um nome, o que é mais estranho que possa parecer, um nome completo! Sim,nome e sobrenome, tudo certinho, numa tirinha incrivelmente pequena de papel, do bege. Evidências...Realizada a perícia tudo poderia ser concluído, embora tantas dúvidas surgissem juntas, complexas e com certeza bem estranhas, ao mesmo tempo: óbvias. Fiquei longo tempo olhando pra tudo aquilo, eram como estrelinhas no céu, montes de papéis picadinhos...Alguns conseguiram encaixar...Outros sem lógica...Tal qual a vida...ficaram soltos, solitários, sozinhos. Peguei o pequeno nome, dobrei. Ficou bem menorzinho. Quase nada agora. Tranquei-o numa pequena caixinha de jóias, linda, vinda do Cairo, presente de uma tia. Antiga. Está lá ainda. Misterioso e conclusivo recado de Deuses?”

Ditadura Obscura

Querem todos que se viva em perfeita escuridão. Ou em névoas de penumbras. Acham todos que a visão deve falhar, faltar. Assim como a mente deve permanecer insonsa. Corroída como em doença grave. Manter o corpo inerte, mas saudável. Dissimular. Permanecer quieta e inteligente. Ignorar da perícia: os resultados. Das revelações da vida como se alguém sobrasse em seus ouvidos: Não reconhecer os atos óbvios. Ocultar de si mesmo os sentimentos revelados. Abstrair, desprezar o mais puro dos sentidos. Debandar da própria realidade embaraçada. Querem todos que nada os aborreçam. Que as bocas se mantenham unidas apertadamente. Que os lábios escancarem em sorrisos largos: Meigos, sinceros, e surdos. Querem todos o fingimento explícito: Daqueles que engana à todos. Querem viver na neblina densa e cinza: Em dia claro e ensolarado. Querem suportar o destino cruel, Sem queixas, sem zangas, sem reclamações. Sem ao menos mágoas. Querem desprezar o presente, Especulando futuro incerto. Querem que acreditemos em lorotas e mentiras baratas. Conscientes da realidade exclamativa. Querem que sequemos ao relento, Queimemos no fogo do não ser, Do não saber, do não sei, E nada mais... Desde que permaneçamos quietos e não incomodemos, Deste modo podemos ficar, e usufruir o tempo que nos resta!

DESCASO

Você que me ensinou a sorrir, Que me ensinou até mesmo a rir, Você que abriu as cortinas, Que escancarou as janelas, Fez o vento entrar por elas... Você,que tão bem e tão mal me fez, Agora, sem mais nem menos resolve partir... Se ir. Deusa da impaciência, Amada do imprevisível, Dona do seu nariz, Me fez feliz quanto quis, Agora resolve partir, Sumir. Fechou as janelas, Cerrou as cortinas, Apagou a luz, E se foi. Levou meu sorriso, Meu riso morreu. Meu ar se esgotou, Meu corpo parou. Minha alma sofreu, Você nem ligou.

Ana Acquesta

Ana Acquesta
Ana Acquesta